Prepare sua startup para captar recursos
Um dos principais problemas vistos nas startups que buscam captar recursos, sob a ótica jurídica, é a falta de preparação prévia. O empreendedor que quer parecer ser diligente, preparado e conhecedor de seu negócio deverá demostrar que fez o houscleaning, ou seja, que deixou a empresa pronta para receber o investimento. Além disso, se um investidor analisar oportunidades de investimento semelhantes (e pode ter certeza que isso acontecerá), um critério de desempate será o quão pronta a empresa está para receber os recursos.
A importância do housecleaning torna-se ainda maior quando o investidor for um fundo de investimento, já que as regras editadas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) determinam que o aporte de recursos na empresa-alvo somente poderá acontecer após investigação e análise detalhada, naquilo que é chamado de due diligence. Quão mais pronta estiver a empresa, mais fácil, rápido e menos traumático será tal procedimento.
Tal preparação deverá incluir vários aspectos, dentre os quais podemos destacar:
1. Organização de documentos societários e outros instrumentos contratuais
É bastante comum que, no momento da constituição da sociedade e nos meses que seguem, o empreendedor dê pouca importância à organização de documentos societários e outros instrumentos contratuais. Mas este modus operandi poderá custar tempo precioso e escasso quando o empreendedor procurar investidores. Via de regra, os investidores demandarão, antes de decidir aportar recursos, informações e documentos essenciais à análise da oportunidade que se apresenta. Caso a empresa não seja capaz de apresentar os documentos societários, contratos e informações solicitadas, o investidor poderá se negar a aportar os recursos, ou, deduzir dos recursos a serem aportados o valor de eventuais contingências encontradas. Dentre os documentos normalmente solicitados em procedimento de due diligence, podemos citar, por exemplo, (i) os atos de constituição (contrato social ou estatuto social) e posteriores alterações e consolidações, (ii) atas de reuniões de sócios ou de assembleias gerais (ordinárias ou extraordinárias); (iii) atas de reuniões de diretoria ou de conselho de administração; e (iv) acordos dos mais variados tipos.
Uma empresa bem organizada causará boa impressão ao investidor; além disso, o tempo entre a solicitação e apresentação e análise de tais documentos cairá sobremaneira, acelerando todo o procedimento de maneira geral. Por fim, caso o empreendedor necessite perder tempo para produzir os documentos solicitados relativos a todo o passado da empresa, não poderá focar em administra-la ou, ainda, negociar os termos e condições do aporte a ser feito. A ausência de documentos poderá atrasar qualquer operação em vários meses...
2. Simplificação da estrutura de capital
Qualquer empresa, mesmo jovem, pode rapidamente complicar sua estrutura de capital e controle. Empréstimos conversíveis em capital (principalmente os não documentados por contrato), promessas de participação a empregados e colaboradores, cessões de quotas ou ações sem a devida documentação, ações preferenciais com vantagens “muito vantajosas” e participações “ocultas” podem fazer da startup algo difícil de entender. Investidores, via de regra, não gostam de surpresas e, por isso, ao analisar as oportunidades de investimento, tenderão a escolher as mais simples e devidamente documentadas.
Nas empresas em que a forma de sociedade anônima tenha sido adotada (o que torna possível a emissão de ações de diversas classes), será mais atraente aos olhos dos investidores uma estrutura de capital com uma única classe de ações (a serem distribuídas aos fundadores e aos investidores anjos e estratégicos) e um plano de stock option voltado aos empregados. Múltiplas classes e dívida conversível sempre reduzem a atratividade do negócio.
Os investidores, notadamente os venture capitalists e os fundos de investimento, precisarão de margem de manobra e terão suas próprias exigências quando à forma de aportar recursos. É bastante comum que exijam ações preferenciais com direito a voto e conversíveis em ordinárias, ou, ainda, dívida conversível em ações. Se a estrutura de capital da empresa já é muito complicada, a negociação para acomodar os requisitos impostos pelos investidores será muito mais longa e desgastante.
3. Proteção da propriedade intelectual
Mesmo antes de se constituir uma sociedade, é muito importante solicitar aos consultores, empregados e demais colaboradores que assinem acordo de confidencialidade e de cessão, para a empresa, da propriedade intelectual desenvolvida por eles para a própria empresa. Tal acordo deve ser cuidadosamente redigido e levar em consideração as peculiaridades de seu negócio, para se evitar ilegalidades e nulidades que torem o acordo um pedaço de papel sem valor jurídico.
Caso a propriedade intelectual tenha sido desenvolvida antes do início das atividades empresariais, tal acordo torna-se ainda mais importante, haja vista a falta de presunção de pertencer à empresa.
Tais acordos devem ser guardados cuidadosamente, pois os investidores solicitarão por eles durante o procedimento de investigação (due diligence) prévia ao aporte de recursos.
4. Documentação referente às relações trabalhistas
As leis trabalhistas brasileiras são bastante rígidas e protetivas dos empregados. Por isso, as relações trabalhistas ensejam cuidado especial dos empreendedores. Os contratos devem ser devidamente formalizados por meio de carteira de trabalho, bem como os direitos trabalhistas devem ser seguidos à risca. Estagiários devem ter seus contratos assinados e os convênios com as instituições de ensino superior devem ser celebrados. Os números de horas trabalhadas pelos estagiários também deverão seguir os limites impostos por lei.
A falta de observância às leis trabalhistas pode levar a empresa a acumular passivo potencial muito rapidamente. Apesar de os investidores brasileiros estarem relativamente acostumados com tal realidade, há sempre a possibilidade de se afugentarem, a depender do tamanho do problema. Já os investidores estrangeiros terão mais dificuldade de entender e aceitar passivo trabalhista volumoso, mesmo que meramente potencial.
A empresa que respeita os direitos trabalhistas é sempre mais atraente aos olhos do investidor.
5. Revisão de lançamentos contábeis e procedimentos tributários
O empreendedor deve conhecer sua empresa mais do que qualquer outro. Quando isso não ocorre, enfrentará dificuldades ao tentar captar recursos, já que os investidores também farão uma due diligence contábil. A investigação será abrangente e englobará lançamentos contábeis e procedimentos tributários.
É bastante comum que o empreendedor entre em uma “zona de conforto” e acostume-se a fazer as coisas e administrar sua empresa de maneira que nem sempre está de acordo com as leis e regulamentos em vigor. Quando isso acontece, o empreendedor terá ingratas surpresas ao receber o resultado final de due diligence – normalmente um longo relatório, no qual serão apontados os erros encontrados. Neste momento, o empreendedor perceberá que alguém conhece mais da sua empresa do que ele mesmo, e uma tortuosa fase de negociação acerca dos apontamentos da investigação se iniciará. Tal negociação será difícil e poderá mesmo levar ao insucesso da operação de aporte de recursos.
Portanto, é importante que o empreendedor faça sua lição de casa e reveja, de tempos em tempos, os lançamentos contábeis e procedimentos tributários, com a utilização dos serviços de profissionais bem formados, experientes e que estejam acostumando com a postura e o trabalho dos auditores. Tal preparação prévia evitará – ou, ao menos, reduzirá sobremaneira – as negociações tortuosas relacionadas aos erros apontados no relatório que será apresentado ao final do procedimento de due diligence.